segunda-feira, 13 de julho de 2009

1957 - PRIMEIRA IMAGEM DIGITAL

A primeira imagem dita digital foi criada em 1957, por Russell Kirsch, homem pioneiro na computação. A foto tinha 176 pixels em sua altura e retratava, arcaicamente, um bebê de três anos. A fotografia digital completa, neste ano de 2007, 50 anos de existência e constante aprimoramento, dotando o mundo contemporâneo de uma austera capacidade de registrar. Dos camera-phones aos backs digitais para máquinas de grande formato, a virtualização da imagem tomou quase que por completo o meio fotográfico, salvo raras (e necessárias) exceções.

Inicio este ensaio sobre as questões implicadas pela imagem digital, com base na exposição de Rosângela Rennó, intitulada A Última Foto.

Tal artista vem trabalhando ao longo de sua carreira com a apropriação de imagens, resgatando negativos em instituições falidas, comprando fotos em brique à braques, ganhando de amigos e muitas outras fontes. É constituído um trabalho em torno da identidade, da memória, do esquecimento e da morte. Colecionismo à parte, esse labor constrói uma forma de deslocar a natureza documental ou iconográfica dessas imagens para o campo da arte, fazendo-as perder seu sentido de registro para que passem a ser obras, tornando assim a noção de autoralidade perdida em meio ao conteúdo das imagens. O autor da foto para este tipo de trabalho é puro acaso. O contexto dessas imagens é que irá denotar seu verdadeiro autor, ou seja, a própria artista.

Em A Última Foto, Rosângela convidou 42 fotógrafos a utilizarem diferentes tipos de câmeras analógicas para fotografar a estátua-símbolo do Rio de Janeiro. Algo duplamente curioso nessa escolha, uma vez que uma estátua simboliza por si só a essência da fotografia, seu caráter de congelamento; e também por ser centro de disputas judiciais relativas ao direito de imagem. Os herdeiros do artista Paul Landowsky lutam na justiça para proibir o uso comercial da imagem do Cristo Redentor sem autorização prévia.

Todos os fotógrafos cederam o direito de imagem à Rosângela e o que se vê na exposição são diferentes olhares, em dípticos ou trípticos. Ao lado de cada imagem ampliada, é colocada numa caixa de acrílico a própria máquina que a gerou, com sua objetiva selada, criando um círculo referencial.

A possibilidade de olharmos hoje fotos tiradas há 50, 80, 100 anos deve-se ao fato de que fotógrafos materializaram tais instantes em objetos, em papel. É grande a importância desse tipo de imagem não só para a memória coletiva, mas também para pesquisadores que voltam seus estudos para os hábitos e para o registro documental. Hoje o que temos é a construção de uma memória cibernética através da qual todas as fotos passam pelo computador, mas raramente saem dele. São poucas as fotos de família ou de viagens que circulam fora de fotologs, blogs e afins. Há uma confiança neste suporte virtual que é extremamente frágil. As possibilidades de colapsos são inúmeras e não se dá o devido valor à imagem até que ela seja perdida. A fotografia torna-se cada vez mais volátil. Ao ampliar um foto, seja ela de origem numérica ou química, há uma garantia para as gerações futuras do "isso foi", de Roland Barthes. A memória pressupõe em seu conceito o esquecimento de um fato, com uma possibilidade ulterior de retomada através de registros. Num futuro não tão longínquo, as imagens produzidas hoje podem vir a ser tratadas como lixo cibernético, uma massa amorfa de bits e bytes absolutamente desorganizada, isso se for possível acessá-la.

Vê-se uma banalização do registro. Uma incongruência documental, pela qual o "fotógrafo" se preocupa em registrar tudo, mas não se preocupa em, de fato, fazer tais imagens perseverarem. É uma espetacularização da tecnologia que compromete as gerações futuras de descobrirem as raízes de suas identidades. Amnésia social e tecnocracia. A imagem digital aliada à Internet decerto torna mais fácil o acesso à fotografia, mas traz consigo um caráter imediatista e falsamente divulgado como democrático. O quê nos certifica que os softwares de imagens de daqui a 30 anos lerão nosso arquivos digitais de hoje? Nada.

Ao selar a objetiva da câmera, Rosângela Rennó a transforma em objeto museográfico e imbui a foto que lhe acompanha de uma morbidez tecnológica. A artista leva o espectador a pensar sobre o que é certo ou não acerca do futuro da imagem, sobre a perda de sua identidade, sobre o limite da permanência e do esquecimento e, principalmente, sobre a função social da fotografia. É mais uma proposta de Rosângela para o resgate da memória coletiva através da arte. Certeza temporal, mesmo, somente naquelas imagens ampliadas em papel fotográfico, com seus negativos matriciais.

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