quinta-feira, 23 de julho de 2009

Fotografia e Arte, por Lucas Corato




Fotografia e Arte, por Lucas Corato

Seria mesmo a fotografia capaz de reproduzir a realidade exatamente como ela é?



Inventada – ou descoberta, como alguns preferem dizer – no primeiro quarto do século XIX, a fotografia surge para definir novos rumos na maneira de captarmos imagens e, consequentemente, de observarmos e compreendermos o ambiente onde vivemos.

Tais funções representativas eram, até então, exercidas pela pintura, que se servia a reproduzir fielmente imagens para jornais, livros e para qualquer outro serviço social que necessitasse da reprodução de um instante. Com a difusão do novo método, a técnica mais antiga viu-se obrigada a buscar novos rumos e novas linguagens.

A princípio, então, a fotografia aparece como a realização do sonho de sermos capazes de reproduzir o mundo fielmente. Mas tal afirmação é verdadeira? Seria mesmo a fotografia capaz de reproduzir a realidade exatamente como ela é, ao contrário da pintura, que pode reproduzi-la também como a vemos?

A máquina fotográfica, originalmente tida como uma reprodução do funcionamento do olho humano, não é um olho imparcial, mas guiado pelo olho de quem a comanda, seja o de um artista ou o de um leigo. Ao fotografarmos, é impossível que não manifestemos nossos gostos, preferências estéticas e até mesmo nossa maneira de ser, da mesma maneira como acontece em qualquer outra manifestação artística. O enquadramento, a iluminação, o foco, a escolha do tema, tudo resulta, conscientemente ou não, do olho pensante que comanda o olho mecânico.

É dessa maneira, então, que a fotografia, enquanto linguagem e meio de expressão, pode se tornar arte: a partir do momento em que nos colocamos atrás do visor e ela se torna uma extensão do nosso olhar.

Observando-se a imagem do início deste artigo, do fotógrafo francês Gustave Le Gray (1820-1884), e colocando-a em seu tempo e contexto, podemos entender um pouco sua importância como arte e também para a arte. Embora seja uma fotografia feita nos primórdios do desenvolvimento da técnica, podemos ver a intenção do autor em se aproveitar do novo método de captura de imagens. Dentre diversas características, sobre as quais poderia escrever por horas, o que mais nos chama a atenção é que se define claramente um horizonte, dividindo céu nebuloso e mar tempestuoso; e à esquerda, o que parece ser um píer, contrabalanceia diagonalmente o tema principal da foto: a onda, no momento em que se quebra contra as pedras.

E por que uma simples onda quebrando seria, na época, tratada como tema principal e com esta importância em uma fotografia? Simplesmente pelo fato de que a técnica fotográfica oferecia novas possibilidades; com a pintura, era impossível representar perfeitamente tal objeto de modo que não dependesse da imaginação ou memória do artista, mesmo que este estivesse trabalhando defronte ao mar. A fugacidade da cena só poderia mesmo ser captada por uma câmera fotográfica. Trabalhos desse tipo estabeleceram um diálogo direto com a pintura, como pode ser visto na série de ondas do pintor francês Gustave Courbet (1819 – 1877), pertencente ao movimento Realista.

Podemos, então, perceber um pouco como a fotografia se torna arte. A intenção do autor em exaltar a nova tecnologia através de algo corriqueiro nos torna bastante clara no momento em que contextualizamos a imagem, e ao mesmo tempo o registro não é desprovido de um senso estético pessoal e da maneira como o fotógrafo enxerga e enquadra a cena. E vemos também como a fotografia conversa desde cedo com outras manifestações artísticas, no caso a pintura, pois serve de base ao desenvolvimento de novas possibilidades.

Portanto, o estabelecimento de uma linguagem artística na fotografia depende não só de um desenvolvimento técnico, mas também de um desenvolvimento do olhar. É preciso compreender e treinar a maneira como vemos – e não só através das lentes - para que se consiga colocar na foto um pouco de nossas próprias características e anseios.

Lucas Lorenzi Corato, é arquiteto e urbanista formado pela EESC-USP em 2003. Atua nos campos de arquitetura e planejamento e também de fotografia, tendo já exposto seu trabalho no Centro Cultural da USP de São Carlos em 2005 e em 2006.

www.lucascorato.com

contato@lucascorato.com

Imagem 1 - A onda – Le Gray,1856
Imagem 2 - A onda – Gustave Courbet, 1871 – óleo sobre tela
Galeria Nacional da Escócia
Fontes das imagens:
A Onda – Gustave Le Gray:
A Onda – Gustave Courbet:


Links relacionados:
Wikipedia - Gustave Courbet (em inglês)
http://en.wikipedia.org/wiki/Gustave_Courbet
Wikipedia – Gustave Le Gray (em francês)
http://fr.wikipedia.org/wiki/Gustave_Le_Gray
Wikipedia – História da Fotografia –
http://pt.wikipedia.org/wiki/Hist%C3%B3ria_da_fotografia










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