quinta-feira, 23 de julho de 2009

III. Mergulho para Foto

O controle da flutuabilidade.

Talvez a habilidade mais importante para um bom resultado em foto-sub não esteja ligada à fotografia, mas ao mergulho: é o controle da "aquaticidade". O que chamamos de "aquaticidade" é, na verdade, um conjunto de habilidades (que pretendemos mostrar nas próximas "dicas"), das quais a flutuabilidade é a mais importante para a foto-sub. Temos recomendado que os mergulhadores somente se iniciem em foto- sub depois de terem dominado sua flutuabilidade.
O mau controle da flutuabilidade está ligado ao uso excessivo de lastro. Qual é, afinal, o lastro ideal para o controle da flutuabilidade? É aquele que nos permite permanecer estáveis, com pernas e braços cruzados, a três ou quatro metros de profundidade (ponto da parada de segurança), totalmente equipados, com o cilindro de ar no início da reserva e com o colete vazio. Por isso, sugerimos que, até que se tenha obtido um bom controle de flutuabilidade com determinado equipamento, todo final de mergulho seja feito entregando-se uma pedra de lastro ao supervisor e retornando aos três ou quatro metros para testar a flutuação.
Apenas como referência (afinal, cada pessoa tem uma flutuabilidade diferente), julgamos que um adulto médio, com roupa completa de 5 mm de espessura, em águas frias, não deva usar mais do que seis quilos de lastro. Em águas tropicais, muito menos. A propósito, cabe lembrar que um cilindro S80 contém cerca de dois quilos de ar, quando cheio. Portanto, o mergulhador corretamente lastreado inicia o mergulho com apenas dois quilos de flutuabilidade negativa, compensados no colete.

O controle do equilíbrio horizontal (trim).

Nas dicas anteriores tratamos da flutuabilidade; agora queremos tratar de outra habilidade da "aquaticidade": o equilíbrio horizontal, que os de lingua inglesa chamam trim.
Os corpos possuem um ponto imaginário, chamado centro de gravidade, onde toda força-peso poderia ser concentrada. Esse ponto pode estar mais acima ou mais abaixo, de acordo com a densidade de nossos tecidos, mas geralmente fica no centro do tronco. Existe, ainda, um outro ponto de interesse para os mergulhadores, que é o centro de flutuação, onde todas as forças de empuxo da água poderiam ser concentradas. Ao contrário do centro de gravidade, que depende da distribuição de densidades ("pesos") dos nossos tecidos, o centro de flutuação depende da distribuição de volumes de nosso corpo. Assim, por exemplo, quem tem as pernas volumosas, tem o centro de flutuação deslocado mais para baixo.
Como o peso puxa para baixo e o empuxo para cima, um corpo só estará em equilíbrio estável se o centro de gravidade estiver abaixo do centro de flutuação. O equilíbrio ideal se dá quando os dois centros coincidem. Nessa situação, estaremos em equilíbrio para qualquer posição do corpo: horizontal ou vertical, cabeça para cima ou para baixo.
É muito difícil determinar, na prática, a localização exata dos centros de gravidade e de flutuação. Mas podemos procurar fazer coincidir os dois pontos, por tentativa e erro, relocando a posição do cinto de lastro e verificando o equilíbrio horizontal. Se os dois pontos não coincidirem, dificilmente poderemos permanecer na horizontal sem movimentar os pés ou as mãos. Boa parte dos mergulhadores atinge esse equilíbrio com o cinto colocado na parte alta da cintura, e os lastros igualmente divididos nas duas laterais. Jessica Roessler, modelo do fotógrafo Carl Roessler, utiliza um cinto de lastro de dois quilos, preso no cilindro de ar, pouco acima da bota. Essa é uma idéia interessante, porque compensa a perda de peso de ar do cilindro, evitando que o mesmo flutue e puxe o mergulhador para cima ao final do mergulho. Às vezes, deve-se puxar o centro de gravidade propositadamente para cima, por exemplo, quando se penetra num naufrágio, fazendo com que as pernas subam, para evitar que as nadadeiras levantem areia fina. É terrível para um fotógrafo quando alguém - ou ele próprio - permanece na vertical "pedalando" suas nadadeiras contra a areia do fundo. Além disso, o equilíbrio horizontal ajuda muito na aproximação para a tomada fotográfica.

O movimento do fotógrafo-sub.

Nas dicas anteriores tratamos da flutuabilidade e do equilíbrio horizontal. Essas habilidades são básicas para o fotógrafo-sub controlar seu movimento. O fotógrafo-sub não deve se agitar, para poder se aproximar das criaturas marinhas. Estando com o colete quase totalmente desinflado, ele controla seu movimento para cima ou para baixo apenas com a respiração. A situação mais característica é quando estamos a menos de um metro de um peixe arisco - que só se deixou aproximar porque permanecemos quase imóveis - prontos para fotografá-lo, e ele se desloca um pouco para cima. Qualquer movimento brusco o faria disparar. Nesse caso, inspiramos e seguramos a respiração por alguns segundos para que nosso corpo se desloque um pouco para cima, até atingirmos o plano ideal para fazer a foto. Para um peixe que está num plano abaixo do nosso, em geral, só é possível uma boa aproximação quando descemos imóveis, apenas desinflando os pulmões. O problema é que precisamos manter a respiração parada por algum tempo para ganhar a confiança do peixe, e isso exige um certo relaxamento mental, principalmente quando se está com os pulmões vazios. A respiração deve ser retomada aos poucos, soltando-se bolhas pequenas, jamais com espalhafato e ruído. O que descrevemos acima pode parecer heresia para um mergulhador recém-saído da sala de aula do curso básico: movimentar-se para baixo e, ainda pior, para cima com a respiração trancada. Mas o que estamos descrevendo são deslocamentos de poucos metros, longe da zona crítica nas proximidades da superfície.
Os mergulhadores iniciantes tendem a usar demais mãos e braços para se movimentar. Poucas são as criaturas marinhas que toleram a proximidade do mergulhador que agita os braços freneticamente. Além disso, o fotógrafo-sub tem as mãos compromissadas com o equipamento. Nesse sentido, a fotografia até ajuda a disciplinar o mergulhador no uso de seus braços. É curioso ver um mergulhador iniciante tentando frear seu movimento, "empurrando" água para frente. Quando o deslocamento é suave, basta tocar com a ponta do dedo numa pedra para estancar o movimento. Para não causar qualquer dano, procure uma pedra livre de seres vivos. Também é possível frear usando as nadadeiras. Para isso, os joelhos devem ser dobrados, e as nadadeiras colocadas perpendicularmente ao sentido do movimento, como se fossem pára-quedas. Mais do que isso, é possível RETROCEDER usando as nadadeiras. Em continuação ao movimento de frear, as nadadeiras devem ser empurradas para frente, fazendo-se um movimento de sapo com as pernas. É preciso praticar um pouco para conseguir esse movimento, mas, às vezes, é o único possível, quando se tem ambas as mãos ocupadas.

Técnicas de aproximação para fotografar peixes.

A técnica mais conhecida e explorada é o oferecimento de alimento. Dizem que os peixes-napoleão do Mar Vermelho eram viciados em ovos cozidos, mas, mesmo assim, nem chegavam perto de bolas de pingue-pongue. Embora quase sempre efetiva, é uma técnica antinatural e antiecológica. Preferimos outra técnica baseada no reconhecimento do comportamento típico dos peixes. Em primeiro lugar, é preciso reconhecer que de um peixe perseguido só se fotografa o rabo. Ao contrário, é preciso explorar a curiosidade natural dos peixes: parar num ponto favorável, mexer em alguma coisa e esperar que eles venham inspecionar. Alguns, mais arredios, mesmo assim não vêm. Esses podem ser classificados em duas categorias: peixes de passagem e peixes territoriais.
O peixe de passagem confia em sua velocidade. De nada adianta tentar persegui-lo. Pelo contrário, devemos fingir que não queremos nada com ele. A aproximação deve ser feita não na direção dele, mas numa trajetória paralela à dele, ou melhor, numa trajetória convergente. Deve-se procurar não olhar diretamente para ele durante o lento processo de aproximação, mas mantê-lo sob controle com o canto dos olhos. Quando a distância for ideal, acelerar um pouco, tomando sua dianteira, e virar para pegá-lo de frente. Esse é um processo curioso, que vale a pena treinar, mesmo sem equipamento fotográfico. Em geral, o peixe imobiliza, levando algum tempo para se recuperar da surpresa, o que é suficiente para uma boa foto. Se o fotógrafo estiver sendo acompanhado de seu modelo, este deve seguir o mesmo padrão de movimento, colocando-se do outro lado do peixe.
O peixe territorial, em geral, confia em seu mimetismo, isto é, em sua habilidade de se confundir com o ambiente. Por isso, a técnica de aproximação é oposta à do caso anterior. Deve-se "cravar" os olhos sobre ele enquanto se efetua um movimento extremamente lento de aproximação. Ele permanecerá estático, certo de que qualquer movimento poderá denunciá-lo. O maior problema, nesse caso, é que, quando nos aproximamos demais, podemos precisar desviar os olhos para reajustar os controles da câmera. É a senha para a fuga de nosso astro. Outro fator que causa a fuga é o ruído das bolhas de ar. Enquanto estivermos a uma distância razoável, devemos expirar em pequenos pulsos. Quando estivermos muito próximos, é melhor parar de respirar. As técnicas aqui descritas podem parecer difíceis, principalmente para mergulhadores iniciantes: equilibrar-se, movimentar-se sem usar as mãos, parar de respirar... Na verdade, são coisas que fazemos naturalmente fora d'água, sem nos aperceber. Fazê-las dentro d'água depende apenas de ambientação. Fazê-las bem é um desafio compensador, não apenas pela grande melhoria na qualidade das fotos, mas, principalmente, pelas novas habilidades adquiridas, que nos dão a sensação de domínio do meio, que nos fazem sentir como um peixe dentro d'água!

O modelo fotográfico.

Nem toda foto-sub exige a presença de um mergulhador, mas o modelo empresta à foto uma noção de proporção entre as partes e de interação do ser humano com a vida marinha. Em relação ao modelo de fotografia convencional, o modelo submarino tem uma responsabilidade adicional, pois, além de se preocupar com a fotografia, deve se preocupar com a segurança de seu dupla.
O modelo-sub deve ter domínio total do equilíbrio de sua flutuabilidade, com movimentos e respiração absolutamente controlados. Além disso, é aconselhável que o mesmo tenha equipamento e roupa atraentes, cores combinadas e máscara de grande volume, para valorizar os olhos. Sendo a água um ambiente móvel, dificilmente o modelo ficará estático na posição ideal enquanto o fotógrafo ajusta seu equipamento. O mais usual é que o modelo se desloque lentamente em direção à posição ideal, escolhendo o sentido de aproximação mais favorável, quer quanto à composição, quer quanto à corrente local. Se o fotógrafo "perder o ponto", deverá sinalizar ao modelo, que dará meia-volta e reiniciará a aproximação. Essa modelagem por deslocamento confere à foto uma dinâmica própria e muito natural para um ambiente que se movimenta, mas, por outro lado, exige perfeita coordenação fotógrafo-modelo.
A respiração deve ser controlada. Sugerimos que a respiração do modelo seja distribuída entre uma inspiração profunda e uma expiração controlada, soltando o ar aos pulsos, pequenos e constantes, com a cabe&ccedila um tanto horizontal, para que as bolhas passem lateralmente ao rosto. Não passando pela frente da máscara, elas não interferem na expressão facial. O fotógrafo dispara a câmera quando as bolhas já se descolaram do rosto do modelo e estão um tanto acima do mesmo. A presença de bolhas confere certa realidade à presença do mergulhador na foto. A ausência de bolhas pode dar a impressão de que, no lugar do mergulhador, encontra-se um boneco pendurado por barbantes.

Novas tecnologias de mergulho, novas ferramentas de foto-sub.

Recentemente temos visto o desenvolvimento de novas tecnologias de mergulho recreativo, que estão se tornando ferramentas poderosas para a foto-sub. Uma delas é a popularização das misturas gasosas enriquecidas em oxigênio, chamadas de Enriched Air Nitrox, EAN ou simplesmente NITROX. Destas, estão se tornando bastante acessíveis a mistura com 32 porcento de oxigênio (EAN32) e a mistura com 36 porcento de oxigênio (EAN36). Comparadas com ar comprimido, essas misturas permitem maiores limites não-descompressivos, menor penalidade descompressiva e menor intervalo de superfície. Todos esses fatores favorecem o fotógrafo-sub, no sentido de lhe propiciar maior tempo de fundo, que é o parâmetro mais valioso nessa atividade. Existe um conceito, incorreto, de que o NITROX pemite mergulhos mais profundos que o ar. Talvez, num futuro breve, a popularização de outras misturas, como o Trimix, venham a preencher essa necessidade.
Outra tecnologia de mergulho muito vantajosa para a foto-sub é o REBREATHER. Na verdade, não é uma tecnologia nova, sendo conhecida há muito tempo por seu uso militar. Mas, tal como o NITROX, a novidade é estar disponível para uso recreativo. Hoje em dia vários resorts de mergulho e muitos live aboards do exterior já oferecem o Rebreather como uma opção ao equipamento scuba tradicional.
O Rebreather é um sistema fechado ou semi-aberto de respiração, que praticamente não emite gases expirados. O oxigênio é consumido pelo mergulhador, o nitrogênio recircula no sistema e o dióxido de carbono expirado é absorvido por um reagente químico, geralmente cal sodada. Para quem fotografa principalmente peixes, em foto de aproximação, sabe a significativa utilidade de um sistema que não expele bolhas. Alguns peixes, mais tímidos, só permitem nossa aproximação, com equipamento scuba, enquanto estamos em apnéia. Assim que soltamos as bolhas de nossa expiração, eles desaparecem!
Importante relembrar que tanto o uso do NITROX como do REBREATHER exigem treinamento específico, que pode ser ministrado por algumas das certificadoras brasileiras (ver nossos Links).

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