quinta-feira, 9 de julho de 2009

“Uma boa foto é aquela que transmite a relação entre o fotógrafo e o “objecto”, como se não existisse uma câmara pelo meio”

Entrevista com o fotógrafo da United Photo Press Nuno Reis

Nuno Reis Gonçalves tem muitas histórias para contar e mostar sobre as realidades que foi captando com a sua máquina fotográfica, nas dezenas de viagens que fez pelo mundo. Natural do Fundão, é um dos fotojornalistas mais promissores da sua geração. A viver na Irlanda, aproveita todo o seu tempo para fotografar, porque para ele um bom fotógrafo só aprende ” Fotografando! O que marca realmente a diferença é o sentimento que pões no teu trabalho porque se não existir uma conexão e uma empatia com o teu sujeito fotográfico, isso reflecte-se e influência o resultado final. Uma boa foto é aquela que transmite a relação entre o fotógrafo e o “objecto”, como se não existisse uma câmara pelo meio”. Nuno Reis Gonçalves é o entrevistado esta na semana na A23 para nos falar da sua grande paixão: a fotografia


A.23: Como foi o teu encontro com a fotografia e de que forma ela passou a fazer parte da tua vida?

Nuno Reis Gonçalves- O meu encontro com a fotografia foi um pouco tardio em relação a maior parte dos fotógrafos que começam bastante jovens. Tudo começou com cerca de 21 anos numa cadeira de fotojornalismo na universidade (UAL). Um dia, fui convidado para a apresentação de uma exposição do meu professor e fotojornalista, Luíz de Carvalho, a qual cheguei quando já fechavam as portas mas ainda consegui dar uma vista de olhos nas fotos e trocar algumas impressões com o próprio, que me presenteou com o livro da exposição, com direito a dedicatória e que guardo religiosamente. Nessa mesma noite, já depois de estar em casa, folheei o livro e comecei a pensar que também poderia fazer algo com fotografia. E a partir desse momento, tenho fotografado o mais possível, sempre no sentido de melhorar o meu trabalho.

A.23: Como é que aprendeste a fotografar?

Quando me fazem essa pergunta, respondo sempre da mesma forma: Fotografando! Está claro que necessitas aprender as técnicas básicas para tirar melhor proveito da câmara. Observar e analisar o trabalho de outros fotógrafos também é para mim muito importante. Mas o que marca realmente a diferença é o sentimento que pões no teu trabalho porque se não existir uma conexão e uma empatia com o teu sujeito fotográfico, isso reflecte-se e influência o resultado final. Na minha opinião, uma boa foto é aquela que transmite a relação entre o fotógrafo e o “objecto”, como se não existisse uma câmara pelo meio.

A.23: Então isso quer dizer que viajas muito?

N: Sim, sempre em busca de novas historias para retratar. Para mim, viajar, tornou-se parte integrante da minha vida e a verdade é que quando me encontro num pais onde não falo a mesma língua e onde o meu conhecimento social e politico é mínimo, consigo abstrair-me desses factores e fotografar de uma forma mais natural e objectiva. Também quando estas fora do teu ambiente natural, estas mais atento ao que se passa a tua volta e isso ajuda-me a concentrar naquilo que estou à procura.

A23: De todos os lugares que fotografaste, qual foi o que te marcou mais?

N: Essa resposta não e’ fácil porque houve países que me marcaram de forma diferente. Talvez Gana pelo facto do workshop em que estive envolvido. Esse projecto deu-me a possibilidade de fotografar mais a fundo o bairro onde esse workshop teve lugar. Normalmente, e porque te encontras num lugar estranho, sempre tens a sensação de que tudo pode acontecer mas quando estas rodeado de pessoas que vivem nesse mundo, sentes-te mais à vontade e os horizontes fotográficos tornam-se mais vastos. São elas próprias que te abrem as portas do seu mundo, e esse facto ajuda a que não sintas que estas a invadir a sua privacidade. Acontece muitas vezes, quando vês uma possível fotografia, há momentos em que ficas na duvida porque ficas com a sensação de estar invadir o espaço intimo de alguém que não conheces e não sabes qual vai ser a sua reacção. Acima de tudo tens que saber respeitar e seguir caminho.

A23: O que te deixou mais chocado?

N: Sem duvida, os níveis de pobreza que encontrei em alguns dos países por onde passei, nomeadamente, nas Filipinas. Em Manila, existe um lugar chamado “Montanha Fumegante”, que serviu de lixeira da respectiva cidade durante cerca de 30 anos e que esta oficialmente fechada há mais de 10. Esta lixeira servia, também, como forma de sobrevivência para milhares de pessoas que recolhiam tudo o que pudessem aproveitar para vender posteriormente. Hoje em dia, a lixeira mudou de lugar e de nome e apesar de ser em escala menor, ainda se encontram famílias inteiras que vivem na lixeira e que continuam a sua recolha diária de lixo para sobreviver. A imagem de crianças e adultos à espera dos camiões do lixo para recolher e aproveitar aquilo que nos deitamos fora, ficou gravada na minha memoria para sempre. E só demonstram que num pais em que a ex-primeira dama tem a maior colecção de calcado do mundo e há crianças sem nada para calcar, alguma coisa está mal. Uma coisa é verdade, quando te encontras em países subdesenvolvidos, das-te conta que a maior parte das pessoas são felizes com o pouco que teem e isso vê-se na felicidade que transmitem. Da que pensar, porque apesar de termos melhores condições de vida, na generalidade, não conseguimos ser mais felizes que estas pessoas.

A23: Natureza, turismo ou pessoas, qual é o teu tema preferido para fotografar?

N: Sem duvida, pessoas. São elas, como dizia o Rui Pelejao na reportagem sobre o “Sopas”, que nos ligam aos lugares. São elas que marcam a diferença. Podes estar perante o mais impressionante dos monumentos e dizer que é realmente grandioso mas imagina-lo com pessoas nas suas lides diárias, dá-me uma imagem mais forte e por isso o elemento humano faz parte das minhas preferências a nível fotográfico.

A23: Tiveste Fotojornalismo na faculdade e depois fizeste um curso de fotografia… O que guardas dessas experiencia?

N: Como referi anteriormente, a cadeira de fotojornalismo e o meu professor foram a alavanca para o inicio da minha relação com a fotografia. Em relação ao curso básico que fiz no IPF (Instituto Português Fotografia), guardo como recordações os meus primeiros rolos revelados por mim e o meu primeiro contacto com o processo de impressão a preto e branco. Foi um mundo novo que se me abriu mas que não tenho praticado muito por culpa do digital, de que gosto muito.

A23: Como defines artisticamente a tua obra? Reconheces alguma obsessão?

N: Definitivamente uma vertente documental. O facto de poder contar uma historia através de imagens tem vindo a tornar-se cada vez mais um objecto do meu trabalho. Antes não pensava tanto nisso e fotografava de uma forma mais indiscriminada. Hoje em dia, procuro retratar pequenas historias que falam das pessoas e dos lugares por onde vou passando. Isto é realmente aquilo que me dá mais prazer fotografar.

A23: Já fizeste uma exposição sobre os forcões, para quando uma exposição no Fundão?

N: É verdade, a exposição nos Foios sobre os forcoes foi a minha primeira experiencia e foi, acima de tudo, muito gratificante ainda por cima num lugar onde eu era um estranho. O resultado foi muito bom, as criticas também mas o mais importante foi mesmo ver o meu trabalho exposto e ver as pessoas excitadas com as imagens. Uma exposição no Fundão… Para quando, não sei, mas sem duvida é um projecto que tenho muita vontade de concretizar. O problema tem sido a falta de tempo mas vou começar a dedicar mais tempo à fotografia e espero brevemente começar a fazer contactos para realizar esse sonho. Tenho que admitir que e’ algo que mexe comigo porque afinal de contas foi a terra que me viu crescer e isso tem um significado especial.

A23: O que sentes que evoluiu na tua fotografia?

N: Acima de tudo, tento concentrar-me em algo especifico e não fotografar tudo o que aparece à frente. Se tenho oportunidade, também faço algum trabalho de casa para estar mais a vontade e se possível estudar o local que vou fotografar um dia antes para idealizar as fotos que quero e posso fazer. Considero essa a maior evolução. Também tenho uma maior preocupação em termos de enquadramentos e de por vezes tentar quebrar as regras para tentar trazer algo de novo para o meu trabalho.

A23: Para quando prevês uma nova exposição e quais os teus projectos em termos artísticos?

N: Como disse anteriormente, vou começar a fazer contactos para uma exposição no Fundão. Em relação a projectos, tenho em mente um projecto fotográfico em conjunto com uma instituição de caridade que acolhe e da apoio a pessoas carenciadas, com diferentes problemas sociais, particularmente o alcoolismo, um dos maiores desafios da sociedade irlandesa e o projecto vai estar focado nessas pessoas por quem nos passamos todos diariamente mas que nunca paramos para dar um minuto de atenção. Aproveitando o facto de viver na Irlanda, também tenho um projecto sobre o típico “pub” irlandês. São lugares de encontro de gentes e também lugares cheios de carácter. Como sabes tenho um livro publicado sobre os forcões e estou a finalizar mais dois livros, um sobre o Egipto e outro sobre o Gana, que vão estar disponíveis on-line.

A23: Quais os fotógrafos que tu reconheces como influencias?

N: O primeiro nome que me vem a cabeça é o Luíz de Carvalho, a minha maior e mais importante influência em termos fotográficos. Sinceramente, se me perguntas por nomes não me lembro de nenhum. Quando aprecio o trabalho de outros fotógrafos não presto muita atenção aos nomes. Tento focar-me mais no seu trabalho. É obvio que os grandes fotógrafos da Agência Magnum também são grandes fontes de inspiração.

A23: Publicaste na A23 um projecto que realizaste no Gana. Explica melhor esse projecto?

N: A ideia foi da minha namorada, também ela fotografa. O objectivo era fazer um workshop de fotografia numa escola em Accra, capital do Gana. Queríamos dar a oportunidade a um conjunto de crianças, que normalmente não teem acesso a este tipo de actividades, o prazer de descobrir um pouco mais sobre fotografia. Sempre que viajamos, não importa o pais, a câmara fotográfica provoca nas crianças uma euforia fora do normal e com este workshop, esta turma de alunos entre os 13 e os 15 anos, tiveram a oportunidade de estar do outro lado da lente e de experimentar as mesmas sensações de um fotografo. Fizemos um pequeno peditório entre amigos e colegas de trabalho, compramos 30 câmaras descartáveis, depois de dois dias a falar sobre fotografia, entregamos a cada aluno uma câmara e a imaginação deles fez o resto. No final, fizemos uma exposição na respectiva escola com as melhores fotografias dos pequenos fotógrafos. Foi uma experiencia muito gratificante que esperamos repetir no futuro.

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